A infiltração do crime organizado no setor de combustíveis tem gerado um faturamento quatro vezes maior do que o obtido pelo tráfico de cocaína no Brasil. Desde 2022, quadrilhas movimentam anualmente cerca de R$ 61,5 bilhões nesse mercado, enquanto o comércio de drogas rende aproximadamente R$ 15 bilhões por ano. O dado faz parte de um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta quinta-feira (13), que revela a complexidade e a expansão dessas redes criminosas.
O levantamento do FBSP indica que além dos combustíveis, grupos criminosos atuam fortemente na comercialização irregular de bebidas e cigarros, bem como na exploração ilegal de ouro na Amazônia. O impacto financeiro dessas atividades ilegais é expressivo: estima-se que as organizações movimentem cerca de R$ 146,8 bilhões por ano.
Eduardo Pazinato, associado sênior do FBSP e coordenador do estudo sinalizou:
O crime organizado vem se complexificando, sofisticando, profissionalizando e passou a explorar a cadeia de produtos, mesmo que legais, para auferir lucros exponenciais que geram receita para o crime organizado e ajudam a subsidiar, por exemplo, o tráfico de drogas e de armas.
De acordo com o estudo, 41,8% da receita do crime organizado provém do setor de combustíveis. A infiltração das facções nesse mercado já havia sido relatada anteriormente, com mais de 900 postos sob controle criminoso. Agora, a pesquisa aponta que essa presença se expandiu ainda mais, atingindo toda a cadeia de produção e distribuição. Pazinato detalhou:
No caso dos combustíveis, essa cadeia criminal se desenvolve de maneira bastante complexa na adulteração de combustíveis, roubo de cargas e dutos, bombas fraudadas, postos piratas, empresas de fachada e vendas sem emissão de nota fiscal. Em toda a cadeia de valor do combustível há infiltração do crime organizado.
IMPACTO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO
O estudo revela que as fraudes no setor resultam em perdas fiscais de até R$ 23 bilhões por ano. Em 2022, aproximadamente 13 bilhões de litros de combustível foram comercializados ilegalmente, sendo grande parte destinada a abastecer aeronaves e veículos utilizados no garimpo ilegal. Esse volume seria suficiente para manter toda a frota nacional em funcionamento por três semanas.
A lavagem de dinheiro ocorre por meio de empresas fantasmas, que também são usadas para a sonegação de impostos. Para Pazinato, a fiscalização ineficaz no Brasil facilita essa expansão criminosa. O especialista defende o aprimoramento de mecanismos de rastreamento financeiro e o fortalecimento da inteligência na identificação de produtos oriundos de atividades criminosas. O pesquisador afirmou:
O Brasil avançou no aperfeiçoamento de mecanismos de rastreamento para combater a lavagem de dinheiro, mas apesar de necessário, ainda não é o suficiente para fazer frente a essas novas fronteiras do crime organizado, cada vez mais sofisticado, e em mercados altamente lucrativos. Só rastrear o dinheiro é insuficiente para fazer frente às novas fronteiras econômicas do crime organizado no Brasil.
POSIÇÃO DO SETOR E MEDIDAS PROPOSTAS
O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, destaca que as perdas com sonegação fiscal e fraudes no setor podem chegar a R$ 30 bilhões. Segundo ele, as facções expandiram suas operações para sistemas financeiros paralelos, incluindo fintechs e maquininhas de cartão de crédito.
“Não à toa eles têm olhado para o setor com um interesse muito grande. Tomaram uma dimensão arrasadora”, alertou Kapaz. Ele também criticou liminares que permitem a continuidade das operações de empresas envolvidas em crimes, mesmo quando possuem débitos fiscais bilionários.
Uma das propostas para combater o problema é a aprovação do Projeto de Lei do Senado 284/2017, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O projeto, de autoria da ex-senadora Ana Amélia (PP/RS), visa interditar estabelecimentos com dívidas fiscais elevadas.
OUTROS SETORES IMPACTADOS
O FBSP também analisou a ilegalidade na mineração, estimando que 38% do ouro produzido entre 2015 e 2020 tenha origem duvidosa. O faturamento das atividades clandestinas pode chegar a R$ 40 bilhões, afetando unidades de conservação e terras indígenas.
O estudo detalha:
Os ‘narcogarimpos’ conectam os garimpos ilegais ao tráfico de drogas e armas, compartilhando insumos como mercúrio, combustível e maquinário pesado. Operando em regiões remotas e com fiscalização limitada, esses grupos utilizam os lucros do ouro ilegal para financiar outras atividades ilícitas.
No setor de bebidas, a desativação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) gerou um apagão de dados sobre a comercialização irregular, resultando em perdas tributárias de R$ 72 bilhões em 2022. Já no mercado de cigarros, estima-se que 40% dos produtos sejam ilegais, provocando um prejuízo fiscal de R$ 94,4 bilhões em 11 anos.
POSICIONAMENTO DAS AUTORIDADES
O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi questionado sobre o combate às operações criminosas no setor econômico, mas ainda não se manifestou.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) informou que atua na prevenção e repressão de irregularidades, por meio de fiscalizações e parcerias com órgãos competentes. Petrobras e Minaspetro também foram procurados, mas ainda não responderam.
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